terça-feira, 25 de outubro de 2011

O General - Capítulo 1



O General regressava do combate. Vinha a cavalo, como sempre, depois de uma batalha. Ao seu lado, um soldado. Havia, ainda, um cheiro a fumo, no ar. Parte da aldeia ardera, no ataque. Aquele cheio a queimado era como uma vitória para o General. O plano resultara.

- Hoje vai haver festa a sério. – Disse o Sargento.

- Só se for para vocês. Eu vou descansar. Prefiro acordar bem disposto, amanhã, para pensar no próximo passo. – Disse o General.

- O General parece estar sempre a jogar xadrez.

- Só isso explica que eu seja General.

- Quando era soldado não festejava?

- Claro, como qualquer soldado. Mas, para muitos generais, chega um dia em que qualquer distracção sai cara. E não vais querer ser general, durante esse dia. Vais ter saudades de ser soldado.

- É assim tão difícil?

- Ainda pior.

A noite estava a avisar da sua chegada. O céu escurecia, naquele final de dia de Verão. Havia calor, não só pelo fogo que consumira parte da aldeia. O ar estava abafado, por si só. O General olhou para o céu e parou o trote do cavalo.

- Preparem o acampamento. Ficaremos ali à frente, naquele bosque.

- Ainda podemos andar mais um pouco, meu General. – Disse um dos homens de confiança do General.

- Para lá daquele bosque, não garanto nada. Prefiro ficar aqui, é mais seguro.

O acampamento foi montado. As provisões foram preparadas para o banquete. Havia bom vinho, roubado na aldeia atacada. Havia bons motivos para festejar, depois da estrondosa vitória. O General iria descansar, enquanto que o grupo festejaria o momento.

Houve festa, naquele acampamento. Os soldados comeram e beberam até ultrapassar o ponto de exagero. Era assim, sempre que venciam uma batalha. Era assim também para o General: o descanso era o melhor festejo. Costumava dizer que a única noite em que dormia bem era depois de uma batalha vencida.

Na manhã seguinte, aquele acampamento, mesmo mergulhado naquela calma, naquele silêncio, dava claros indícios da festa que ali decorrera, na noite anterior. Havia soldados a dormir debaixo de árvores, fora das tendas, perto do lugar onde ficavam os cavalos. Havia vinho derramado, em vários locais. O General, depois de uma boa noite de sono, saiu da sua tenda e olhou para o cenário.

Comeu e resolveu dar um passeio, pelo local. Aquelas terras passariam, a partir daquele dia, a fazer parte do seu reino. O Rei, que o esperava na capital, ficaria contente, pelo resultado. Nem sempre o General estava de acordo com as políticas seguidas pelo Rei, mas a sua função não era reflectir sobre questões políticas. Comandava o seu exército e tinha que vencer as suas batalhas, nada mais do que isso.

O General lembrava-se do início da sua carreira militar. De como foi difícil, nos primeiros tempos, habituar-se às rotinas. De como foi difícil aturar alguns superiores hierárquicos. Naquela fase, pensava na sua carreira e sentia que tudo valera a pena. Apenas não lhe agradava o facto de nem sempre concordar com as missões que lhe eram entregues. Porém, olhava para esse lado como um mal necessário, na sua profissão.

Depois do passeio, voltou ao acampamento. Estava na hora de partir. Acordou toda a gente, gritando bem alto, para que o sono de nenhum dos soldados fosse capaz de resistir. O acampamento foi levantado e o resto do caminho, até à cidade, foi feito, dentro do tempo previsto. Ao final da tarde, já a muralha da Capital estava à vista. O grupo foi avistado, de longe. O guarda da muralha enviou um falcão ao castelo, para que o Rei fosse avisado.

O soberano daquele povo era um adepto das conquistas. Para ele, e por mais que alguns conselheiros tentassem demovê-lo, o Reino nunca tinha território suficiente. Muitas vezes, colocara muito em risco, pela ambição em ter o maior reino do mundo conhecido. Em muitas dessas batalhas, fora a capacidade do General para delinear a estratégia de combate que resolvera a situação. O Rei sabia-o e considerava o General intocável. Sabia que a sua ambição poderia continuar a ser alimentada pelas capacidades do seu exército mas, acima de tudo, pelas estratégias do General.

O exército entrou na muralha, tendo sido recebido em festa, pelo povo. Houve, como de costume, recepção, no palácio, onde um banquete esperava pelas mais altas patentes do exército. A conversa teve, como seria de esperar, a batalha como tema central. Depois de tudo ter sido contado, alguns episódios, mais do que uma vez, o Rei ficou a sós com o General.

- Mais uma vez, conseguiste. – Disse o Rei.

- É o meu trabalho. Mas, se me permite, Sua Majestade, eu tenho que avisá-lo de que o nosso exército está a atingir o limite da sua capacidade. Sei que não devo falar sobre questões políticas, mas já recebi informações sobre algumas muralhas e fortificações nossas que foram atacadas. O que se passa é simples, Sua Majestade: o nosso exército começa a ser pequeno para tanto território. De cada vez que temos de travar uma batalha, temos que deslocar homens que deveriam estar a guardar posições importantes do Reino. Para já, temos conseguido manter a segurança, mas se um dos reinos vizinhos descobre essa nossa fraqueza, poderemos começar a perder territórios. Mais do que isso: perdermos capacidade de resposta em certos lugares poderá resultar em situações incontroláveis.

O General sentia que acabara de pisar o risco. Estava a entrar em assuntos que não lhe diziam respeito. Mas o dever de zelar pela segurança do Reino obrigara-o a falar. O Rei olhava-o, depois de ouvir, atento, as palavras do comandante do seu exército.

- Embora as questões políticas não te digam respeito, acho que, desta vez, tens razão. Está na hora de controlarmos o que temos e não de pensar em batalhas. Mas há uma, só mais uma, que temos que travar. Existe uma região vizinha do nosso reino na qual estão a ser difundidos pensamentos políticos que me colocam em causa. Fala-se, até, na preparação de uma rebelião, de fora para dentro. A Câmara dos Representantes está dividida: uns são a favor de uma acção, outros consideram-na desnecessária. Preciso de agir, pelo sim, pelo não. Um Rei age, não reage.

- Se assim é a vontade do Rei, cumprirei a minha missão, como sempre.

No final da noite, o General regressou a casa. Não se sentia satisfeito, mesmo com a vitória na batalha. A grande derrota fora a incapacidade para evitar mais um confronto.